Sérgio Milliet da Costa e Silva nasceu em São Paulo, em 20 de setembro de 1898. Em 1913 segue para a Suiça onde prossegue seus estudos na Escola de Comércio de Gnebra e freqüenta um Curso de Ciências Econômicas e Sociais. É em Genebra que publica seus primeiros livros de poesia, em francês, e com seu nome afrancesado, Serge. Na Europa, naturalmente, tomou contato com os primeiros movimentos de renovação literária e começa o aprendizado modernista.
Voltando ao Brasil, pouco antes da “Semana de Ar te Moderna”, engajou-se no movimento, sendo mesmo um dos declamadores da noite de 15 de fevere3iro. Colaborou na primeira revista do grupo paulista posterior à Semana, Klaxon, com seus poemas em francês e, mais tarde, como crítico literário, e dos mais respeitados por seu equilíbrio, em Terra Roxa.
Desempenhou em São Paulo vários cargos de destaque: Diretor da Biblioteca da Faculdade de Direito, Secretário da Universidade de São Paulo, Presidente da Sociedade Paulista de Escritores, da União Brasileira de Escritores, além de membro a Academia Paulista de Escritores. Sua atividade artística não se limitou à poesia: foi também crítico literário e das artes plásticas (“um dos mais hábeis exegetas do modernismo”, no dizer de Alceu Amoroso Lima), ensaísta, ficcionista, professor e jornalista.
Obra poética: Par le Sentier (Genebra, 1917); En Singeant, em colaboração com Charles Reber (Genebra, 1918); Le Départ sou la Pluie (São Paulo, 1920); L´Oeil de Boeuf(Antuérpia, 1923), Poemas Análogos (São Paulo, 1927), Poemas (São Paulo, 1937); Oh! Valsa Latejante (São Paulo, 1943); Poesias (Porto Alegre, 1946, reunindo produções de volumes anteriores), Poema do Trigésimo Dia (São Paulo, 1950); Alguns Poemas entre muitos (São Paulo, 1957).
Textos e Poemas extraídos da obra POETAS DO MODERNISMO, organização geral de Leodegário A. de Azevedo Filho, edição comemorativa dos 50 anos da Semana de Arte Moderna de 1922, obra em 6 volumes, editada pelo Instituto Nacional do Livro (Brasília, 1972).
PARIS
“Crepúsculos longos impressionistas
A luz não cai
escorrega
sobre os patins das nuvens
O Sena foge
Levando o gosto da posse”
LISBOA
“A cidade tomou banho
Água suja do Tejo
A Torre de Belém
no poente decadente
sonha com impossíveis caravelas”
OBERLAND
“Lagos
Vaquinhas bem pintadas
Neves eternas para inglês ver
Palace Hotel”
HAVRE
Mastros... guindastes... armazéns
Canção dos caminhões
sobre os paralelepípedos anárquicos
Apitos taciturnos... Velas ao vento
GENEBRA
“Longe dos olhos perto do coração
A nostalgia cresce como meu bigode”
NOVA YORK
“Fui a Nova York
Não de avião ou transatlântico
Nem com ajuda de Orfeus hoje impotentes
Fui de cinema.”
Comentário: Tendo estudado na Europa e tomado contato direto com os movimento europeu, Sérgio Milliet apresenta uma poesia das mais avançadas no que concerne à técnica cubo-futurista, como podermos ver (...): falta quase total de pontuação, superposição de idéias e imagens em lugar da seqüência lógica, técnica analógica, simultaneidade, versos elíticos, independentes, dando idéia de descontinuidade”. Leodegário A. de Azevedo Filho
POEMA IX
Viajante, fecha os olhos para os campos dromedário, para o espanto
emplumado dos coqueiros...
Abre-os para dentro de tua alma!
Porque não importa a forma da paisagem nas tão-somente o reflexo
que ela projetou dentro de ti.
Os poetas de minha terra sonham o eterno feminino.
Este diz que os lábios dela são como a taça do rei de Tule.
Outro, que os seios dela cabem entre os cinco dedos da mão.
Os poetas da minha terra cantam os choros do coração.
Este diz que a vida inteira a mágoa brilhou em seus olhos.
Outro, que seus desejos são orvalho ao sol da manhã.
Outro comenta a saudade roxa com seu sabor de Fernet no fundo...
Mas nenhum poeta da minha terra fixou
sobre aquela gravidez esfarrapada
um olhar apiedado.
Nenhum condescendeu ainda em catar o rito amargo
daquele homem vestido de oleado
que pacientemente
vazio
vencido
cata detritos pelas ruas
oh poeta de minha terra
abre os braços bem abertos para que venha a ti
a voz profunda do mundo...
Comentário: “Não é esta a missão do poeta: o poeta dever ser o receptáculo da dor do mundo, a caixa acústica, através da qual o mundo tome consciência dessa dor (...)” Leodegário A. de Azevedo Filho
COVARDIA
Eis o veneno, eis o punhal, que esperas?
O horror à terra, de repente,
o passo atrás,
o apego ao quadro, ao livro,
que sei mais!
O apego à própria miséria...
Há que buscar a solidão
entrar no reino do silêncio,
à espera,
à espera...
Mas ainda aí a nossa própria voz ecoa.
Não queremos confissão,
eu vos digo, porém,
em verdade vos digo:
existir, embora surdo,
olhos abertos, apenas, para a vida;
embora cego,
ouvidos atentos aos ruídos misteriosos;
embora mudo,
mãos ávidas em reconhecimento;
ainda que imóvel,
boca e narina percebendo
o gosto e o cheiro do mundo!
Existir...
Em que pese o absurdo!